A colaboração entre diferentes setores e a inovação tecnológica são essenciais para enfrentar os desafios energéticos e ambientais, garantindo um futuro mais sustentável para todos. Os governos enfrentam o difícil desafio de equilibrar a segurança energética, resiliência e a acessibilidade, ao mesmo tempo que devem priorizar à mitigação das alterações climáticas e o desenvolvimento sustentável. Investir em novas tecnologias de energia pode ser um caminho vetor para consolidar a transição energética. De acordo com estudos da IRENA, a eletrificação e a eficiência angariada pelas energias renováveis (e.g. hidrogênio e eólicas onshore e offshore) podem ser uma alternativa para a descarbonização (Gráfico 1).
Gráfico 1: Reduzir as emissões até 2050 por meio de seis vias tecnológicas

As energias renováveis com potencial para escalar mercados são aliadas que podem auxiliar de forma ampla no processo de reverter um quadro de crise climática. Em especial, a energia eólica offshore é considerada uma alternativa promissora para escalar esses potenciais com aerogeradores que já alcançam até 22 MW de potência nominal.
A viabilização dessa tecnologia em larga escala depende da cooperação multisetorial de diferentes segmentos que exploram inovações para acelerar a transição energética por meio das eólicas offshore. Dentre estes segmentos, o setor de pesquisa e desenvolvimento de soluções aeroespaciais se destaca e traz inovações diferenciadas para o setor eólico offshore e onshore no cenário mundial.
A aplicação de práticas de tecnologias espaciais na área de energia renovável é ampla e perpassa pela utilização de satélites, armazenagem e gerenciamento de grandes quantidades de dados (“Big Data”) até a matéria prima utilizada para a fabricação de componentes dos aerogeradores, como o caso das fibras de carbono utilizadas em pás.
Nas décadas de 1970 – 1980, a agência aeroespacial NASA trabalhou em pesquisas para estudar os caminhos para a investigação das possibilidades de escala de turbinas eólicas com apoio e financiamento de alguns departamentos como National Science Foundation e o Department of Energy (DOE). Essas pesquisas testaram a viabilidade técnica e comercial a partir de 13 projetos de aerogeradores, considerando turbinas eólicas de 200 quilowatts, 2.000 quilowatts, 2,5 megawatts e 3,2 megawatts (Figura 1). Essas pesquisas ratificam o caminho entre a proximidade dos segmentos setoriais de aeroespacial e energia eólica.
Figura 1: Projeto de aerogerador denominado “O MOD-0A de 200 quilowatts” da ERDA-NASA em Block Island, Rhode Island

Fonte: NASA | Artigo: Glenn Responds to 1970s Energy Crisis
Ao longo da história, a tecnologia espacial e a inovação em energias renováveis estiveram intrinsecamente ligadas, impulsionando o progresso e moldando a nossa compreensão e utilização sustentável da energia. Desde os primeiros satélites, que permitiram a análise climática e a disponibilização de uma quantidade massiva de dados que funcionaram como subsídios para uma precisa otimização de centrais eólicas e solares, até às mais recentes pesquisas em painéis solares no espaço. Os campos da energia e tecnologia aeroespacial têm colaborado para ultrapassar os limites do que é possível, refletindo a sinergia em curso e promovendo o progresso tecnológico e a transformação global rumo a um futuro mais verde e eficiente.
A convergência entre soluções aeroespaciais e o setor de energia eólica onshore e offshore
A convergência entre soluções aeroespaciais e o setor de energia eólica vem se destacando como um dos exemplos mais promissores de sinergia tecnológica em prol da sustentabilidade. A expertise desenvolvida na indústria aeroespacial, especialmente em aerodinâmica (e.g. dinâmica de fluidos), materiais avançados e sistemas de monitoramento, tem sido crucial para o aprimoramento das turbinas eólicas.
Além disso, a utilização de tecnologias de monitoramento remoto, inicialmente desenvolvidas para a observação da Terra a partir do espaço, tem revolucionado a operação e manutenção de parques eólicos. Sensores avançados e sistemas de satélite permitem o monitoramento em tempo real das condições climáticas e da performance das turbinas, possibilitando uma gestão proativa e preventiva. Esse monitoramento detalhado não apenas aumenta a eficiência operacional, mas também prolonga a vida útil dos equipamentos, reduzindo custos e minimizando o impacto ambiental.
Com isso, a inovação em materiais leves e resistentes, inicialmente concebidos para a indústria aeroespacial, tem sido integrada as turbinas eólicas, resultando em estruturas mais robustas e duráveis. Essa convergência tecnológica não só impulsiona a eficiência das turbinas eólicas, mas também representa um passo significativo na direção de uma matriz energética global mais limpa e sustentável, evidenciando como a colaboração entre os setores aeroespacial e de energia renovável pode gerar soluções inovadoras para os desafios energéticos do século XXI. Algumas destas convergências se manifestam em inovações estão descritas ao longo do artigo.
Inovações aeroespaciais que influenciaram a energia eólica onshore e offshore
- Aerodinâmica e projeto de lâminas: A modelagem e os princípios de projeto usados para projetar asas de aeronaves e hélices tiveram um impacto significativo no desenvolvimento de pás de turbinas eólicas mais eficientes. Por exemplo, o uso de perfis aerodinâmicos, flaps e outras características de design inspiradas na indústria aeroespacial ajudou a otimizar a produção de energia e reduzir o ruído das turbinas eólicas.
- Materiais leves e compostos: A indústria aeroespacial tem sido pioneira no uso de materiais leves e de alta resistência, como fibra de carbono e outros materiais compostos. Esses materiais encontraram seu caminho na fabricação de pás de turbinas eólicas, permitindo a produção de lâminas maiores e mais duráveis que podem capturar mais vento e operar em ventos maiores. Gravidade e vento causam fadiga nos materiais e problemas na performance, o ideal são materiais de baixa densidade e alta rigidez, isso confere uma maior resistência. A ideia de hipergravidade (gravidade acima de 1G[1]), muito embora não seja naturalmente associada ao espaço, é na verdade um dos maiores desafios em termos de decolagem de aeronaves e de foguetes. O momento do lançamento é crítico, e a hipergravidade experimentada pelo aumento da força G, assim como a microgravidade enfrentada em ambiente espacial, pode danificar os sistemas e a própria estrutura por alterações do comportamento dos materiais. Quanto mais leves e mais resistentes, maior será a chance de sucesso e menos danos podem ocorrer. A questão do peso menor e um maior comprimento das pás, vem ao encontro dessa ideia do material leve resistente, isso diminui os custos, diminuindo o custo por unidade de energia produzida, além do que isso melhora o perfil aerodinâmico da pá do rotor.
- Sistemas de controle e análise: A experiência da indústria aeroespacial em sistemas de controle de voo avançados, algoritmos e técnicas de análise de dados foi aplicada a turbinas eólicas para melhorar suas operações, confiabilidade e eficiência. Isso inclui o uso de sistemas sofisticados de monitoramento de condição, algoritmos preditivos e estratégias de controle para otimizar o desempenho e minimizar o tempo de inatividade.
- Monitoramento e previsão meteorológica via satélite: Uma das aplicações mais significativas da tecnologia aeroespacial no setor de energia eólica offshore é o uso de satélites para o monitoramento e previsão meteorológica. Os satélites permitem a coleta de dados precisos sobre padrões de vento, condições climáticas e mudanças atmosféricas em regiões oceânicas remotas, onde estão localizados os parques eólicos offshore. Essa capacidade de monitoramento em tempo real ajuda na otimização da operação das turbinas eólicas, ajustando a produção de energia de acordo com as condições meteorológicas, e na programação de manutenções preventivas, reduzindo o tempo de inatividade e aumentando a eficiência operacional das instalações.
Tecnologia de drones para inspeção e manutenção de turbinas (offshore e onshore)
Os drones, também conhecidos como Veículos Aéreos Não Tripulados (VANTs), têm sua origem amplamente associada ao setor aeroespacial, onde foram inicialmente desenvolvidos para missões militares e de vigilância. Com o avanço da tecnologia, suas aplicações se expandiram significativamente para diversas indústrias, incluindo a de energia eólica offshore.
No setor aeroespacial, os drones foram inicialmente utilizados para missões de reconhecimento e inteligência. Eles oferecem a capacidade de realizar operações em ambientes hostis sem colocar em risco a vida de pilotos humanos. Além disso, os drones são empregados em testes de aeronaves, monitoramento climático e exploração espacial. A NASA, por exemplo, tem utilizado drones para explorar atmosferas de outros planetas e testar novas tecnologias de voo.
A transição dos drones para o setor de energia eólica offshore representa uma evolução natural devido às suas capacidades de acessar locais de difícil alcance e realizar inspeções detalhadas. As turbinas eólicas offshore estão frequentemente localizadas em ambientes desafiadores, onde a manutenção e inspeção podem ser perigosas e caras. Os drones oferecem uma solução eficiente para esses desafios. Abaixo algumas das soluções:
- Inspeção e Manutenção: Os drones também são utilizados para realizar inspeções visuais das turbinas eólicas, identificando danos ou desgaste nas pás, torres e outros componentes. Equipados com câmeras de alta resolução e sensores térmicos, eles podem detectar fissuras, corrosão e outros problemas que poderiam comprometer a eficiência das turbinas. Isso permite que as equipes de manutenção planejem intervenções de forma mais eficaz, reduzindo o tempo de inatividade e os custos operacionais (Figura 2).
- Monitoramento Ambiental: Além da inspeção estrutural, os drones são usados para monitorar o ambiente ao redor das instalações eólicas offshore. Eles coletam dados sobre condições meteorológicas, correntes oceânicas e vida marinha, ajudando na avaliação do impacto ambiental das operações e na otimização do desempenho das turbinas.
Figura 2: ARACNOCÓPTERO, o drone que alinha desenho e eficácia. Dotado de câmeras de alta definição e de outros sensores, é capaz de gerar, em apenas sete minutos de voo.

Fonte: IBERDROLA | Artigo: Inspeção com drones
Aplicações de soluções de aeroespacial no setor de energia eólica offshore, utilizando Inteligência Artificial: Monitoramento remoto, satélites, sistema crawler e desempenho aerodinâmico
A aplicação de Inteligência Artificial (IA) e Internet das Coisas (IoT) no setor aeroespacial está transformando a operação e a manutenção de parques eólicos offshore. Utilizando dados coletados por sensores embarcados em drones e satélites, a IA pode analisar padrões de desgaste, prever falhas e otimizar a performance das turbinas eólicas. Esses sistemas inteligentes permitem a criação de modelos preditivos que antecipam a necessidade de manutenção, minimizando o tempo de inatividade e os custos operacionais.
Além disso, a integração com IoT e técnicas de aprendizado de máquina possibilita o monitoramento em tempo real das condições ambientais e do desempenho das turbinas, ajustando automaticamente a operação para maximizar a eficiência e a produção de energia, enquanto reduz o impacto ambiental. Essa sinergia entre IA, IoT e tecnologia aeroespacial está redefinindo a gestão de ativos no setor de energia eólica offshore, tornando-a mais eficiente, segura e sustentável.
Monitoramento remoto
A combinação de sistemas de monitoramento remoto e IA é essencial não somente para observação das próprias estruturas dos parques eólicos, mas também, das áreas próximas. Esse modelo de vigilância ambiental pode se tornar uma ferramenta importante na predição de condições hostis, potencialmente negativas para os sistemas das turbinas. Sensores IoT instalados em boias e estruturas subaquáticas coletam informações sobre correntes oceânicas, qualidade da água e presença de vida marinha. Esses dados são processados por sistemas de IA para identificar mudanças ambientais que possam impactar as operações das turbinas ou o ecossistema local.
A análise dos dados enviados pelos sensores, feita pela IA, torna mais fácil, assertiva e rápida a operação de ajustes das turbinas, que são feitas, em tempo real, minimizando, dessa forma, além dos danos materiais, os impactos ambientais como o ruído subaquático ou a interferência na migração de espécies marinhas, garantindo uma operação sustentável e em conformidade com as normas (Figura 3).
Figura 3: NASA desenvolve IA para monitoramento ambiental com pesquisas brasileiras

Fonte: Uol
Satélites
A combinação de IA com dados de satélites pode permitir um monitoramento ambiental e operacional preciso ao redor dos parques eólicos offshore. Podemos mencionar como exemplo, a empresa dinamarquesa, SpaceTech Denmach, que utiliza uma combinação de IoT, Inteligência Artificial e SATCOM (Satélites de comunicação) para ofertar soluções ao mercado de energia eólica offshore e onshore.
Essa solução permite que as empresas gerenciem e controlem remotamente dispositivos e sistemas com eficiência, diretamente na ponta dos dedos. A solução viabiliza alterações na configuração, resolução problemas e otimização de desempenho sem precisar estar fisicamente presente no local, economizando tempo e recursos significativos (Figura 4).
Figura 4: SATCOM da Spacetech Denmach

Fonte: CSC Connectivity & Secure Communication | Spacetech
Esta capacidade é particularmente valiosa no contexto do monitoramento ambiental com IA e satélites, onde a agilidade e a precisão são essenciais para a tomada de decisões informadas e sustentáveis. Essa solução também se estende para as indústrias de agricultura, proteção ambiental, logística e distribuição de energia.
Sistemas Crawlers
Uma das aplicações do setor aeroespacial que também são aplicados no setor de energia eólica offshore são os sistemas denominados crawlers que são utilizados para armazenar diversas informações de várias fontes de acordo com a aplicação. No setor aeroespacial esses sistemas são utilizados para rastrear diversas fontes disponíveis na internet em tempo real e permitir o acesso à informação de forma rápida e ágil para os profissionais atuantes no ramo, o que permite uma otimização das pesquisas realizadas no espaço.
Já no setor das eólicas offshore, esses sistemas são utilizados para a facilidade na obtenção de dados e, consequentemente, no monitoramento em tempo real das condições meteorológicas e oceânicas, o que permite uma precisa otimização nas atividades de operação e manutenção dos parques eólicos.
IA e otimização do desempenho aerodinâmico
Além do monitoramento ambiental e operacional e manutenção preditiva, o uso de drones e a IA utilizada em ferramentas de simulação computacional como a Dinâmica de Fluidos Computacional (CFD), que foi originalmente desenvolvida para aeroespacial, é amplamente utilizada no projeto de turbinas eólicas para simular o fluxo de ar ao redor das lâminas, e otimizar o desempenho aerodinâmico, além de prever cargas e comportamento de fadiga.
Uma das principais aplicações da simulação CFD está na análise de aerodinâmica, sendo amplamente utilizada na indústria automotiva, aeroespacial e de energia. Por exemplo, é possível simular o fluxo de ar ao redor de um carro para otimizar o design aerodinâmico e melhorar a eficiência do combustível. Da mesma forma, a indústria de aviação usa a CFD para estudar o desempenho aerodinâmico de aeronaves e otimizar o design das asas. O projeto da lâmina da turbina eólica Enercon E-126, que já foi a maior turbina eólica do mundo, utilizou princípios de projeto e ferramentas de simulação aerodinâmicas da indústria aeroespacial para atingir uma produção de energia excepcional e operação silenciosa.
À medida que enfrentamos os desafios das mudanças climáticas e buscamos reduzir a dependência de combustíveis fósseis, a sinergia entre a indústria eólica offshore, a inteligência artificial e as tecnologias aeroespaciais será fundamental. A integração dessas áreas permitirá avanços significativos na eficácia e seguridade das operações, acelerando a acesso para uma matriz energética mais limpa e sustentável. Essa união entre a IA, a exploração aeroespacial e a energia renovável nos inspiram a fechar novas parcerias e avanços em setores como transporte, agricultura e manufatura, promovendo, desta forma, uma diversificação sistêmica rumo a um futuro mais verde e próspero para todos. Com isso, o sucesso dessa cooperação não apenas transformará o setor energético, mas também, proporcionará um exemplar sustentável e altamente tecnológico de concepção de movimento, mas também servirá como um ensinamento para outras áreas críticas de desenvolvimento sustentável.
[1] A gravidade da Terra medida em sua superfície tem como valor médio 1G ( 1 força G), nesse contexto, a hipergravidade é essa medida de aceleração em valores maiores, o que resulta em efeitos significativos sobre os objetos e organismos presentes nesse ambiente. Em lançamentos de foguete esse valor pode chegar até 3G e pilotos de caça podem sentir até 8G. Ou seja 3x mais e 8x mais respectivamente, do que a força G terrestre.