”A indústria tem fomentado a utilização de soluções de Inteligência Artificial e Robótica para assegurar a conservação da vida marinha, aves e condições oceânicas que permitam a preservação de ecossistemas.”
Os debates climáticos são eixo central na Transição Energética, e as organizações e governos têm estruturado uma série de políticas públicas para o combate aos efeitos das mudanças climáticas e o aquecimento global que tem sido vivenciado em diferentes locais ao redor do mundo. As políticas governamentais contam com a inserção de novas fontes de energia renovável (e.g. eólica onshore/offshore e solar fotovoltaica) nos sistemas elétricos, apoiando no combate às crises climáticas e à industrialização dos países.
Uma das principais tecnologias para escalar de forma eficaz na mitigação de poluentes e ampliar a inserção de renováveis no sistema de energia elétrica dos países, é a tecnologia eólica offshore. As eólicas offshore têm sido selecionadas como pauta dos planos governamentais e políticas de países como Reino Unido, China, Alemanha e Holanda rumo à descarbonização. De acordo com o Global Wind Energy Council (GWEC) e a IRENA (International Renewable Energy Agency), estima-se que sejam necessários mais de 2.400 GW de eólicas offshore no mundo para evitar que o planeta tenha um aumento em sua temperatura de 1,5 Cº (Figura 1).
Figura 1: Projeções de Eólicas Offshore para atender metas do Netzero 1,5 Cº
Fonte: IRENA e GWEC (2023) | Enabling frameworks for offshore wind scaleup: Innovations in permitting
É relevante ressaltar que ao mesmo tempo que as eólicas offshore se apresentam como uma solução para escalar a descarbonização, o alinhamento entre questões ambientais e tecnologia devem ser congruentes e transparentes no processo de Transição Energética. Deste modo, diversas organizações da indústria têm fomentado a utilização de soluções de Inteligência Artificial (I.A) e robótica para assegurar a conversação da vida marinha, aves e condições oceânicas que permitam a preservação de ecossistemas, ao passo que as eólicas offshore se consolidam nos mercados internacionais.
Utilização da Inteligência Artificial no processo de monitoramento de Ecossistemas e as Eólicas Offshore
Os fatores socioambientais podem apropriar-se das tecnologias de I.A existentes para auxiliar e acelerar a identificação de possíveis conflitos e oportunidades em regiões de desenvolvimento dos projetos. Neste sentido, o presente artigo concentrou-se em apresentar casos específicos que perpassam pela utilização de soluções de I.A e robótica nos eixos de: (a) Monitoramento da vida Marinha e Oceânica; (b) Monitoramento de aves; (c) Comunidades (Figura 2).
Figura 2: Inteligência Artificial nas Eólicas Offshore e o monitoramento de Ecossistemas
Fonte: Autores
Monitoramento Ambiental da vida marinha e oceânica
Para o monitoramento ambiental da vida marinha, a abordagem mais comum é a utilização de sistemas de sensoriamento remoto. Basicamente, tais sistemas coletam diversos dados que são importantes para a posterior utilização de técnicas avançadas de I.A sobre as quais permitem o monitoramento dos oceanos em tempo real e, consequentemente, ações antecipadas por parte dos empreendedores das eólicas offshore.
Uma das técnicas de I.A que pode ser utilizada dentro desse contexto é o algoritmo IForest que é utilizado para a detecção de anomalias e comportamento não comuns dos oceanos, o que garante previsibilidade e segurança à vida marinha durante a operação do parque eólico offshore.
Além das condições climáticas de vento, a utilização de algoritmos para um diagnóstico preciso sobre os possíveis cenários marítimos pode acontecer a qualquer instante de forma a preservar a melhor situação para as turbinas (Caso 1). Com esse objetivo, diferentes soluções de I.A podem ser utilizadas para esse fim, o que proporciona uma melhor previsibilidade do que pode vir a ocorrer com a condição marítima do local.
Caso 1: Parque Eólico Offshore e vida marinha e oceânica
Fonte: Fapesp e Civilização Engenharia (2022)
Monitoramento das aves
Outro campo em que a I.A é aplicada nas eólicas offshore trata-se do monitoramento das aves. Nesse meio, técnicas de aprendizagem profunda como as redes neurais artificiais são utilizadas para a detecção em tempo real das coordenadas geográficas das aves a sua respectiva identificação, além de sua movimentação. Essas tecnologias permitem com que ao longo da operação dos parques offshore os empreendedores possam tomar ações antecipadas para a preservação das aves.
Segundo pesquisadores do RPS Group, o monitoramento de aves marinhas em parques eólicos offshore é essencial para mitigar os impactos ambientais e reduzir o risco de colisões. A I.A tem emergido como uma tecnologia crucial para aprimorar esses sistemas de monitoramento, proporcionando análises mais precisas e eficientes dos dados coletados.
Desde 2019, o grupo RPS, juntamente com o grupo DHI, estuda o comportamento de voo das aves ao redor das turbinas eólicas offshore, com o objetivo de melhorar a compreensão das reações das aves marinhas às turbinas, o que é crucial para a avaliação de Impacto Ambiental (EIA) e o processo de licenciamento para parques eólicos offshore (Caso 2).
O estudo utiliza tecnologias de monitoramento avançadas a partir de I.A, como Rastreador de Movimento, que utiliza algoritmos de deep learning para separar aves marinhas de outros objetos voadores; Plataforma MUSE: que facilita a comunicação entre radar e câmeras. Aves detectadas pelo radar são automaticamente seguidas pelas câmeras, garantindo que os dados capturados sejam precisos e relevantes, e Redução de “Vídeos Vazios” onde rastreadores de movimento são acionados por movimentos não relacionados a aves.
Essas tecnologias utilizam I.A para melhorar a precisão e a eficiência da coleta e análise de dados sobre o comportamento das aves marinhas em relação às turbinas eólicas offshore, proporcionando insights valiosos para o desenvolvimento sustentável de parques eólicos.
Caso 2: Monitoramento de Trajetória de Aves e I.A
Fonte: RPS Group, DHI e Vattenfall (2023) | Resolving Key Uncertainties of Seabird Flight and Avoidance Behaviours at Offshore Wind Farm
Comunidades
Os fatores sociais e o posicionamento das comunidades são fundamentais para o aproveitamento das externalidades positivas que a fonte eólica offshore pode gerar. Deste modo, as aplicações de I.A devem concentrar-se no suporte em atividades de pesca, aquicultura e turismo, avaliando as possibilidades de garantir um bem-estar social e sustentabilidade nas atividades que antecedem a implementação da tecnologia de forma justa e equitativa.
De acordo com o estudo “How Offshore Wind Development can Support Coastal Regeneration” focado nas experiências e desafios da Coreia do Sul e publicado pelo GWEC, a participação das comunidades na tomada de decisão de desenvolvimento dos projetos de eólicas offshore é essencial. Deste modo, a I.A poderá auxiliar no mapeamento prévio e corroborar com o diálogo público entre sociedade e organizações, facilitando a seleção de áreas e a estruturação de políticas específicas para a tecnologia.
Alguns dos exemplos existentes de soluções aplicadas são: a análise através de imagens de satélite para monitoramento ambiental, a classificação de forma automática dos tipos de sedimentos do leito oceânico e o planejamento participativo de partes interessadas multisetoriais. No caso do monitoramento ambiental, ferramentas que utilizam I.A têm apresentado vantagens quando o assunto é a caracterização exata do tipo de impacto que precisa ser previsto. Além disso, é possível utilizar, de forma agrupada, vários tipos e diferentes qualidades de imagens de múltiplos dispositivos, uma vez que será realizada a aprendizagem prévia para a respectiva interpretação dos dados. Antecipar os impactos ao meio ambiente pode permitir a abertura de um diálogo mais conciso e eficiente com as comunidades que dependem diretamente desses ambientes.
Em relação ao uso de I.A para classificação dos tipos de sedimento existentes no leito oceânico, é possível utilizar técnicas precisas para segmentar objetos homogêneos – isto é, variedade específica de sedimento – em imagens obtidas através de sensores aerotransportados como, por exemplo, imagens de lidar (Light Detection and Ranging). Esta segmentação é realizada de forma automática, diminuindo consideravelmente o tempo para geração dos resultados. Em comparação com técnicas manuais e de fotointerpretação, as técnicas que empregam I.A podem ser muito mais detalhadas, uma vez que permitem a delimitação precisa dos limites dos segmentos mapeados em imagens com escalas muito altas. Desta forma, é possível traçar rodas de análise que identifique o impacto na dinâmica ecológica local e correlacionar com o estoque pesqueiro e, consequentemente, com a atividade pesqueira local.
Por outro lado, quanto a utilização de soluções I.A para o planejamento participativo de stakeholders, é possível que soluções possam ser empregadas para gerar informações sobre o conhecimento local a partir da interpretação de dados não estruturados. Essas informações podem ser cruzadas com resultados de planos pretéritos alternativos, objetivando prever cenários para automatizar a criação de estratégias para geração de novos planos mais adequados e direcionados. Um possível caminho para ampliação dessas ferramentas em modelos participativos é o uso de aplicações baseadas em gráficos para apoiar a tomada de decisão coletiva. Para exemplificar, um artigo científico publicado na revista Advanced Engineering Informatics apresentou uma abordagem que utilizou um algoritmo de classificação e reconhecimento de padrões, o Support Vector Machine (SVM) associado a outros mecanismos, para interpretar de forma sistemática as ideias, visões e avaliações da população sobre a sustentabilidade. A base de dados utilizada foi as publicações on-line em tweets. O destaque é que o conjunto de ferramentas utilizado permitiu o treinamento da máquina para proceder com a interpretação da semântica textual dos tweets, bem como classificar o sentimento dos cidadãos.
Caso 3: Sensor aerotransportado para mapeamento remoto do leito oceânico
Fonte: HydroInternational (2016)
Todas as soluções de I.A podem auxiliar em um melhor controle da vida ambiental nos parques eólicos offshore. Todavia, diversas pesquisas apontam que não existe uma técnica singular a ser aplicada em todos os projetos. Por esse motivo, é necessário a realização de estudos aprofundando as características dos locais onde ocorrerão o desenvolvimento dos parques eólicos offshore, de forma a preservar os aspectos ambientais e sociais.