Nos últimos anos, uma série de eventos globais — incluindo a pandemia, guerras e várias interrupções logísticas internacionais — mudaram a ênfase nas cadeias de suprimentos de custo e flexibilidade para resiliência e gerenciamento de dependência. A maior incerteza geopolítica e os preços flutuantes de commodities, materiais, mão de obra e logística levaram os formuladores de políticas a se concentrarem em reforçar sua segurança econômica enquanto continuam trabalhando para impulsionar a transição energética por meio das fontes de energia renovável como eólica (onshore e offshore), solar, biomassa e até mesmo a nuclear.
Em relação a energia eólica, os projetos eólicos offshore diferem significativamente dos desenvolvimentos onshore devido à necessidade de infraestrutura substancial. Esses projetos exigem grandes fundações para ancorar turbinas e transferir cargas da superfície do mar para o fundo do mar. Além disso, cabos submarinos são essenciais para conectar turbinas e transmitir energia, enquanto embarcações especializadas são necessárias para transportar e instalar componentes de turbinas eólicas. Adicionalmente, portos equipados para atividades de montagem e armazenamento desempenham um papel crítico no processo. A falta de disponibilidade em qualquer um desses componentes ou instalações já causou atrasos, cancelamentos e aumento nos custos de projetos.
De acordo com o relatório Global Offshore Wind Report 2024 publicado pelo GWEC (Global Wind Energy Council), a cadeia de suprimentos é um dos maiores desafios do setor de energia eólica offshore. Os gargalos na cadeia de abastecimento estão associados a componentes e devem se intensificar a partir de meados desta década, conforme ilustrado na Figura 01. Há risco de escassez na fabricação de diversos componentes até 2030, especialmente caixas de engrenagens e fundações, compatíveis com o tamanho crescente das turbinas eólicas offshore.
Figura 01: Gargalos na cadeia de suprimentos para componentes-chave.
Fonte: Adaptado da GWEC.
Aumentar os volumes de produção é fundamental para criar as condições comerciais favoráveis necessárias para uma cadeia de suprimentos robusta. Nesse contexto, peças impressas em impressoras 3D podem atuar como um grande facilitador para a infraestrutura necessária na energia eólica offshore, ou até mesmo revolucionar a cadeia de suprimentos da indústria eólica offshore a partir de soluções inéditas para novos equipamentos.
A tecnologia de impressão 3D é uma forma de manufatura aditiva (AM, na sigla em inglês), um termo abrangente que se refere a qualquer processo de fabricação no qual objetos são criados pela adição de material, camada por camada, até formar a peça final. Esse conceito inclui diversas tecnologias, como sinterização a laser, fusão por feixe de elétrons e a própria impressão 3D.
A impressão 3D utiliza modelos digitais para criar objetos tridimensionais, construindo-os por meio da sobreposição progressiva de materiais em camadas. Esse processo pode empregar uma variedade de materiais, como plástico, metal, cerâmica e até biomateriais, dependendo da aplicação e da tecnologia utilizada. Atualmente, a impressão 3D é amplamente aplicada na prototipagem rápida, na produção de componentes personalizados e, cada vez mais, na fabricação em pequena escala de produtos finais em setores como automotivo, aeroespacial, saúde e energia renovável.
No setor de energia eólica, as técnicas mais comuns incluem a tecnologia FDM (Fused Deposition Modeling – Modelagem de Deposição Fundida), usada para fabricar protótipos e peças, e o SLS (Sinterização a Laser Seletiva), que utiliza materiais como nylon. Esses métodos são particularmente adequados para a produção de peças pequenas.
Os agentes da indústria estão reconhecendo cada vez mais as vantagens da impressão 3D na energia renovável, especialmente na energia eólica. A Figura 02 ilustra alguns dos principais benefícios da implementação dessa tecnologia, que estão detalhados a seguir:
Figura 02: Alguns benefícios da impressão 3D na energia eólica offshore.
Fonte: Autores.
Produção local e flexível: a produção pode ocorrer localmente, próxima aos portos ou locais de instalação, o que reduz custos logísticos, aumenta a flexibilidade para ajustes contínuos em moldes e componentes, e cria empregos na região. Além disso, a possibilidade de produzir componentes diretamente no local reduz os tempos de espera e melhora a eficiência operacional.
● Menor pegada de carbono: a produção distribuída, feita sob demanda e próxima ao local onde os produtos são necessários, minimiza a necessidade de transporte. Isso reduz significativamente as emissões de gases de efeito estufa e a pegada de carbono dos projetos, uma vez que menos peças precisam ser fabricadas e transportadas por longas distâncias.
● Redução de custos e aumento de disponibilidade: a impressão 3D diminui os custos de produção e facilita prazos de entrega mais curtos. Além disso, reduz a necessidade de armazenamento físico, já que arquivos digitais substituem estoques físicos, permitindo a manutenção eficiente dos ativos operacionais.
● Escalabilidade e produção sob demanda: a tecnologia é altamente escalável e permite a produção sob demanda com pouca ou nenhuma necessidade de reconfiguração, possibilitando uma resposta mais rápida às demandas do mercado.
● Protótipos detalhados: a impressão 3D permite a fabricação de protótipos altamente detalhados, possibilitando testes em versões mais realistas dos produtos. Com isso, as versões finais tornam-se mais eficientes e melhor adaptadas às necessidades dos consumidores
● Personalização de peças: a impressão 3D oferece a possibilidade de projetar peças personalizadas para turbinas eólicas, adaptando-as com precisão às condições específicas de cada local de instalação, o que melhora a eficiência e a adequação dos componentes.
● Estruturas leves e complexas: a tecnologia permite a fabricação de estruturas leves e mais complexas para turbinas eólicas do que aquelas obtidas por métodos tradicionais, resultando em melhorias significativas no desempenho das pás dos rotores.
● Impulsionamento da inovação: a impressão 3D promove inovação em toda a cadeia de suprimentos, permitindo novos modelos de negócios e maior colaboração entre os participantes do setor.
Entretanto, ainda existem diversos desafios a serem superados. Será necessário implementar um processo sistemático de qualificação, padronização e desenvolvimento de conhecimento técnico para a certificação de componentes e materiais impressos em 3D. O investimento inicial em impressoras 3D e nos materiais necessários ainda representa um custo elevado, estima-se que o valor de investimento pode chegar a ser até maior de R$ 500.000 para aquisição, a depender da aplicação. Além disso, atender aos rigorosos padrões e certificações exigidos frequentemente apresenta desafios adicionais, resultando em custos extras. Outra limitação é o tamanho das peças de turbinas eólicas que podem ser produzidas, pois a tecnologia de impressão 3D ainda enfrenta restrições em relação às dimensões das estruturas que podem ser fabricadas.
A impressão 3D apresenta diversas aplicações no processo de produção de turbinas eólicas, desde a prototipagem de componentes até a fabricação completa de turbinas. Abaixo estão alguns exemplos de suas aplicações e casos práticos:
1. Prototipagem e Produção de Componentes: a General Electric (GE), nos Estados Unidos, começou a produzir grandes componentes de turbinas eólicas usando impressão 3D em 2019. Em 2021, a GE inaugurou uma fábrica dedicada à pesquisa e impressão 3D no país, onde também desenvolveu pás de turbinas mais leves para seus motores.
2. Manufatura Aditiva em Larga Escala: a Orbital Composites, especializada na produção de turbinas, pás, fundações e torres, utiliza robôs para imprimir em 3D componentes diretamente no local de instalação. A startup também busca desenvolver sistemas capazes de fabricar pás com mais de 100 metros de comprimento e turbinas offshore diretamente em navios no mar, uma abordagem que promete reduzir custos logísticos e tempos de produção.
3. Impressão 3D em Concreto: a startup Rcam Technologies, localizada no porto de Los Angeles, utiliza impressão 3D em concreto para criar fundações, torres e âncoras para turbinas eólicas offshore. Com a crescente meta da Califórnia de instalar 25 GW de energia eólica flutuante até 2045, a impressão 3D em concreto está se posicionando como uma solução essencial para atender à demanda de cerca de 6.000 âncoras e 2.000 turbinas flutuantes.
Figura 03: Impressão 3D de componentes de concreto para estruturas offshore.
Fonte: Rcam Technologies
4. Economia Circular e Reciclagem de Materiais: pesquisadores da Universidade do Maine (UMaine) lideram o projeto WIND REWIND, que tem a proposta de reciclar materiais triturados de pás de turbinas como reforço e enchimento de baixo custo para impressão 3D de concreto pré-moldado. Essa abordagem não apenas reduz os custos de materiais, mas também oferece maior liberdade geométrica nos designs, automatiza os processos de fabricação e estabelece um ciclo de economia circular no setor.
Inteligência Artificial para a otimização da impressão 3D
A Inteligência Artificial (IA) está transformando a impressão 3D, otimizando processos, reduzindo erros e ampliando suas aplicações. Um dos principais avanços é o uso de IA no controle de qualidade, por exemplo, o Printpal.io usa IA para capturar defeitos que ocorrem durante um processo de impressão 3D. Modelos de IA analisam dados detalhados gerados em cada etapa da impressão, desde o modelo CAD até o vídeo do processo, identificando combinações de configurações que geram problemas e aquelas que resultam em impressões de alta qualidade. Ademais, sistemas baseados em visão computacional, como o “Spaghetti Detection”, conseguem detectar e corrigir falhas em tempo real, garantindo impressões mais precisas e com menos desperdício.
No design, a IA facilita a criação de peças otimizadas para impressão. Ferramentas como design generativo permitem explorar rapidamente múltiplas variações de um projeto, levando em conta parâmetros de fabricação, custo e desempenho. Isso reduz o tempo necessário para desenvolver designs complexos e personalizados, como peças leves e de alta eficiência para turbinas eólicas.
A IA também inova no uso de materiais. Pesquisadores estão utilizando algoritmos para criar combinações de materiais sob medida, ajustando propriedades mecânicas para atender a demandas específicas. Adicionalmente, sistemas como o AMAIZE identificam e corrigem automaticamente problemas de impressão, não alterando o arquivo de design em si, mas modificando as instruções da impressora, otimizando assim o uso de estruturas de suporte e reduzindo custos (Figura 04).
Figura 04: Copiloto de IA da AMAIZE para impressão 3D incorporado ao Autodesk Fusion.
Fonte: Forbes, “AI May Be The Key To Unlocking The $14.7B 3D Printing Industry”
Por fim, a integração da IA a um programa de fatiador, software conhecido como AI Sync está automatizando completamente processos industriais de manufatura aditiva, aumentando a escala e a qualidade da produção. Com esses avanços, a IA está acelerando a adoção da impressão 3D, tornando-a mais eficiente e acessível.
Apesar dos desafios ainda existentes, é evidente que a impressão 3D desempenhará um papel crucial no desenvolvimento e manutenção de equipamentos essenciais para a energia eólica. Essa tecnologia tem o potencial de tornar a indústria eólica offshore mais ágil, eficiente e competitiva, ao mesmo tempo em que promove inovação sustentável. Em um cenário marcado por gargalos nas cadeias de suprimentos globais, a impressão 3D se apresenta como uma oportunidade estratégica para impulsionar o setor e ampliar o acesso à energia limpa.